Comissão da Verdade deve apurar caso madre Maurina em Ribeirão Preto
A prisão da madre Maurina Borges da Silveira, em Ribeirão Preto (313 km de São Paulo), durante o regime militar (1964-1985), e o sofrimento a ela causado antes do exílio merecem investigação da Comissão da Verdade, criada para examinar violações aos direitos humanos.
A avaliação é do brasilianista (estrangeiro especializado em assuntos do país) Kenneth Serbin, professor de história na Universidade de San Diego (EUA), escritor e um dos principais estudiosos das relações entre Igreja Católica e regime militar.
A Comissão Nacional da Verdade vai estudar nos próximos dias quais providências podem ser tomadas para o caso, segundo o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Gilson Dipp disse à Folha.
Para Serbin, o episódio envolvendo Maurina (1924-2011), integrantes do grupo guerrilheiro de Ribeirão Faln (Forças Armadas de Libertação Nacional) e o ex-delegado Renato Ribeiro Soares --responsável pela prisão da madre e que morreu na semana passada, aos 86 anos-- é simbólico para a história.
"O caso da madre é muito importante porque mostra que a ditadura no Brasil não diferenciava ninguém. Até uma freira, que trabalhava pelo bem das pessoas, podia cair na rede da repressão."
Embora não tivesse ligação com a guerrilha, Maurina foi presa por abrigar integrantes e materiais das Faln no Lar Santana, onde ela vivia. A religiosa ficou detida durante um ano em São Paulo e depois foi exilada no México, onde ficou dez anos.
A madre relatou ter sido torturada no Brasil, mas nunca deu detalhes, mesmo após retornar do exílio.
Já o ex-delegado Renato Soares, que chegou a ser excomungado e depois absolvido pela Igreja Católica, negava ter praticado qualquer violência contra Maurina. "Só cumpri meu trabalho", disse à Folha em 1997.
"A Comissão da Verdade precisa ir a fundo nesse assunto, entrevistando pessoas envolvidas, levantando documentos e provas que possam estar hoje em poder de familiares", disse Serbin.
Outro delegado da época, Miguel Lamano, também está ligado ao caso. Ele também foi excomungado e nunca falou sobre o caso à imprensa.
O brasilianista diz que, em suas pesquisas para o livro "Diálogos na Sombra: Bispos e Militares, Tortura e Justiça Social na Ditadura", achou no Arquivo Nacional do Rio uma carta da madre a Alfredo Buzaid, ministro da Justiça entre 1969 e 74. Nela, a religiosa pede que sua expatriação fosse revista. "Ela não queria ser banida do país", disse Serbin.
VIRADA HISTÓRICA
O caso envolvendo a tortura sofrida por madre Maurina na prisão inspirou religiosos importantes da Igreja Católica a se engajar na luta contra o governo militar.
Alguns, inclusive, eram simpatizantes da ditadura. O cardeal arcebispo Paulo Evaristo Arns, por exemplo, apoiou o golpe de 1964, mas passou a lutar contra a tortura após o caso da madre --era amigo do então arcebispo de Ribeirão, Felício César da Cunha Vasconcellos.
Na região, um grupo de Franca (400 km de São Paulo) se organiza para levantar violações a direitos.
Fonte: Folha de São Paulo
Por ARARIPE CASTILHO
DE RIBEIRÃO PRETO